Valor Econômico aborda resultados e desafios dos fundos de pensão

O jornal Valor publica em sua edição de hoje 3 extensas matérias com foco no Sistema e que refletem em grande parte a nossa visão sobre o momento que estamos vivendo.

Reproduzimos a seguir as 3 matérias:

Os fundos de pensão após a tempestade

Os fundos de pensão dão sinais de recuperação. Depois de ter resultados afetados pelo desempenho da economia e da suspeita de envolvimento de algumas entidades em desvios de recursos, o setor volta a registrar ganhos com a recuperação da bolsa de valores e medidas de governança adotadas. O déficit do sistema ainda é elevado por causa da maturidade dos planos, mas aos poucos o rombo entre a receita das contribuições e os gastos com o pagamento de benefícios começa a ser equalizado. A expectativa é que o setor supere a meta atuarial deste ano. Para o ano que vem, pode ser melhor, mas vai depender da recuperação da economia do país.

“A poupança mais natural é a previdenciária. Boa governança e gestão dos recursos e incentivos à poupança de trabalhadores e empresas podem impulsionar o crescimento do país”, diz José Ribeiro, presidente da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp). “Depois de dois anos de déficit, as perspectivas do sistema são otimistas”, afirma Guilherme Benites, da Aditus Consultoria, que assessora fundos de pensão, family offices e seguradoras.

Até junho, o crescimento dos planos instituídos foi de 13,3% na comparação com os seis primeiros meses do ano passado. A rentabilidade chegou a 8,44%. O ponto negativo é o equilíbrio das contas. O superávit de todos os fundos de pensão que fecharam no azul foi de R$ 16,8 bilhões, enquanto o déficit daqueles que fecharam no vermelho somou R$ 84 bilhões até junho. O desempenho negativo se explica: “O setor paga R$ 18 bilhões a mais de benefícios do que arrecada. Os planos hoje são maduros, com grande contingente de aposentados e a maioria está fechada a novas inscrições”, diz Ribeiro.

Ainda assim, o ano deve fechar com desempenho um pouco melhor do que os resultados de 2015. A Previ, maior fundo de pensão brasileiro, com ativos de quase R$ 170 bilhões e mais de 200 mil associados, conseguiu reduzir o saldo negativo. O Plano 1, de benefício definido, com patrimônio em setembro de R$ 161,7 bilhões e cerca de 115 mil associados, fechou o ano passado com déficit acumulado de R$ 16,1 bilhões. Até o terceiro trimestre de 2016, baixou esse déficit para R$ 12,9 bilhões. A taxa de retorno dos investimentos foi de 13,67%, para uma meta de 10,13%. O resultado final de 2016 pode levar a entidade a adotar ou não um plano de equacionamento.

Um dado positivo é que a Previ foi inocentada na CPI dos Fundos de Previdência da Câmara dos Deputados. “O relatório final da investigação confirmou a boa governança da Previ. Nenhum dirigente ou executivo da entidade estava entre as pessoas indiciadas pela comissão, assim como não houve qualquer constatação de irregularidade do fundo. No que se refere à operação Greenfield, da Polícia Federal, registramos que toda a documentação requerida à época foi disponibilizada e o posicionamento da Previ relativo ao tema encontra-se publicado no nosso site”, informa sua assessoria de imprensa.

A Petros, fundo de pensão da Petrobras, ocupa o segundo lugar no ranking das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPCs) nos dados da Abrapp até junho, com R$ 67,75 bilhões em investimentos, seguida pela Funcef, fundo de pensão dos funcionários da Caixa Econômica Federal com R$ 58,20 bilhões. A classificação da Abrapp aponta a Funcesp, fundo de pensão das companhias energéticas do Estado de São Paulo, em quarto lugar, com R$ 25,72 bilhões, e a Fundação Itaú-Unibanco em quinto, com R$ 23,75 bilhões.

A Fundação Real Grandeza, fundo dos funcionários de Furnas e da Eletronuclear, é a décima na classificação das EFPCs, com R$ 14,54 bilhões em investimentos em 19 de outubro, mas aparece também em quarto lugar no ranking dos 15 maiores planos de Benefício Definido da Abrapp com o plano BD, que soma R$ 12,61 bilhões em investimentos, 1.709 participantes ativos e 8.297 assistidos.

A carteira de investimentos conservadora, com R$ 10,1 bilhões aplicados em títulos públicos, tinha atingido 24,7% de rentabilidade no dia 19 de outubro. O déficit, que virou o ano em R$ 1,87 bilhão, já baixou para R$ 1 bilhão. O superávit fechou 2014 em R$ 700 milhões. No ano deverá ficar em torno de R$ 1 bilhão. “A Real Grandeza tem governança de investimento, faz análise de compliance de todos os parceiros e conta com a blindagem do Bradesco como gestor fiduciário”, afirma Sérgio Wilson Ferraz Fontes, presidente da fundação.

A Funcesp trabalha com superávit para todos os planos. Com um portfólio de aplicações conservador – 83% dos recursos em títulos públicos federais -, e uma governança alicerçada em dez comitês de investimentos, a Funcesp atingiu rentabilidade de 17,5% sobre o patrimônio total até agosto, contra uma meta atuarial de 10,07%. A entidade tinha até junho 15.534 participantes ativos, 52.641 dependentes e 30.964 assistidos. “O desafio do setor é aumentar o número de participantes. O potencial é grande, mas o crescimento tem sido pequeno”, diz Martin Glogowsky, presidente da Funcesp.

O Brasil tem hoje 307 fundos de pensão em operação. Em conjunto, eles administram um patrimônio de R$ 763 bilhões. Os brasileiros beneficiados por esse sistema chegam a mais de 7 milhões de pessoas, entre participantes, assistidos e dependentes. O setor representa 12,8% do PIB. Nos EUA, chega a quase 80% do PIB, com US$ 14,2 trilhões em ativos. Na Suíça, com US$ 804 bilhões de patrimônio, passa de 100% do PIB, e chega a 178% na Holanda, com US$ 1,3 trilhão em investimentos.

Nos anos 70, o sistema tinha no Brasil apenas 118 entidades autorizadas. Hoje são mais de 300. Os grandes saltos ocorreram nos anos 80, quando passaram a ser 244, e na década de 90, quando chegaram a 360.

“A expectativa no Brasil é chegar a 25% em duas décadas. Vai crescer à medida que o serviço público passe a incorporar novos servidores e com o incentivo à poupança e à maior participação das empresas”, diz José Ribeiro, da Abrapp. “O fomento para a criação de entidades tem que ser mudado. Um dos entraves é a falta de flexibilização do patrocínio. O temor das empresas é o passivo que um plano pode criar para os negócios”, afirma Guilherme Benites. (Valor)

Governança é meta para as entidades

Desde que a operação Greenfield foi iniciada, há um ano e meio, a partir da descoberta de indícios da prática de gestão temerária como causa de déficits bilionários nos fundos de pensão Funcef (Caixa), Petros (Petrobras), Previ (Banco do Brasil) e Postalis (Correios), as entidades representativas dos fundos de pensão reiteram a necessidade de apuração das ocorrências para a punição dos responsáveis pelos desvios e também o aprimoramento das atuais regras de governança corporativa nos fundos.

“O sistema dos fundos de pensão no Brasil é sólido. Há mais de 300 fundos de pensão no país, administrando recursos acima de R$ 750 bilhões. Por ano, pagam R$ 34 bilhões a aposentados e pensionistas. É uma referência nacional. A investigação das quatro instituições estatais não prejudica a solidez do sistema que conta com um arcabouço legal moderno e governança corporativa evoluída”, afirma o diretor jurídico da Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp), Luis Ricardo Marcondes Martins, também presidente do fundo OAB Prev São Paulo.

A operação Greenfield investiga os déficits bilionários constatados em 2015 e em anos anteriores. A apuração abrange até investimentos feitos pelos fundos em 2009. Um total de 241 planos de fundos de pensão ficaram no vermelho em 2015. Do total, apenas dez planos concentram 80% do déficit de todo o sistema, sendo nove patrocinados por estatais. Se considerados apenas quatro fundos ligados a estatais, o saldo negativo em 2015 alcançou R$ 48,7 bilhões. São eles: Petros (R$ 22,6 bilhões), Previ (R$ 16,1 bilhões); Funcef (R$ 8,8 bilhões); e Postalis (R$ 1,2 bilhão).

Segundo informações do Ministério Público Federal (MPF) do Distrito Federal, as investigações estão sendo conduzidas por um grupo insterinstitucional formado por MPF, Polícia Federal, Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc) e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM). O Tribunal de Contas da União (TCU), a Controladoria-Geral da União (CGU) e a Caixa Econômica Federal (CEF) também colaboram com o trabalho.

“Sempre que verificados elementos que possam vir a caracterizar a ação como crime, seja pela ação ou pela omissão, por parte de pessoas que direcionam ou recebem os recursos haverá representação à Polícia Federal e ao Ministério Público”, diz o diretor-superintendente substituto da Previc, Estras Esnarriada Junior.

O diretor da Regional São Paulo da Associação Nacional dos Participantes de Fundos de Pensão (Anapar), José Ricardo Sasseron, também ex-presidente da entidade e ex-diretor de seguridade da Previ (2006-2012), diz que o impacto maior do déficit, em 2015, ocorreu nos planos de Benefício Definido (BD) que concentram cerca de dois terços do patrimônio dos fundos fechados e a grande maioria destes recursos pertence a planos patrocinados por estatais.

Diante do cenário de 2015, com inflação alta, taxa de juro alta, reduzido retorno nas aplicações de renda variável e em fundos de investimentos, alguns fundos de pensão de benefício definido tiveram de revisar suas premissas, como taxas de juros, tábua de longevidade e cálculo do passivo. “Essa revisão provocou resultado negativo na reserva matemática nos planos BD, devido à sua modalidade de capitalização”, diz Sasseron.

O diretor jurídico da Abrapp explica que esse déficit técnico não significa “rombo”. Apenas mostra que muitos fundos de pensão não alcançaram a meta atuarial em função do cenário econômico e por isso tiveram déficit técnico. “Os desvios mesmo, constatados em alguns fundos de estatais, ficam ao redor de 10% do valor do déficit total. Apurado esse desvio, tem de se punir os responsáveis. Mas, o desvio não coloca o sistema em risco”, diz Martins.

De acordo com o último balanço do MPF do Distrito Federal, divulgado no começo deste mês, durante a fase ostensiva das investigações da Greenfield, 26 pessoas e empresas firmaram termos de ciência e compromisso com o MPF e a Polícia Federal. Os envolvidos se comprometeram a apresentar garantias financeiras que serão usadas para ressarcir as instituições em caso de condenação judicial. Somadas, essas garantias – que podem ser seguro, dinheiro, bens e ativos – superam os R$ 2,27 bilhões. Além da reserva de recursos, sete empresas e 19 pessoas físicas assumiram o compromisso de colaborar com as investigações. Em troca, tiveram medidas cautelares como sequestro e bloqueio de bens suspensas pela Justiça.

O Postalis esclarece que foram repassadas à PF todas as informações solicitadas. A Funcef informou que está prestando todas as informações às autoridades. Já a Previ informa que no âmbito da CPI dos Fundos de Pensão na Câmara dos Deputados, nenhum dirigente ou executivo da entidade estava entre os indiciados, como não se constatou qualquer irregularidade. A Petros afirma que está prestando as informações solicitadas pelas autoridades. (Valor)

Autorregulação busca as melhores práticas

Lançado em setembro, o “Código de Autorregulação em Governança de Investimentos” orienta às melhores práticas na busca de qualidade das aplicações, mitigação de riscos e desenvolvimento sustentável da previdência complementar no país. O documento de treze páginas estabelece em nove artigos as obrigações e responsabilidades dos fundos de pensão. O próximo passo é a criação de um selo que vai consolidar o compromisso de quem aderir ao código. Nos três anos de validade do selo, a instituição pode passar por auditoria e perder o certificado.

“O projeto de autorregulação é uma vontade antiga do sistema. Ele se tornou oportuno agora porque a previdência complementar enfrenta problemas de qualidade dos investimentos de alguns fundos de pensão. O objetivo é trazer alguma luz sobre as melhores práticas”, diz Nélia Pozzi, presidente do Sindicato Nacional das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Sindapp).

O artigo 3º do código estabelece que a entidade fechada de previdência complementar deve implementar as melhores práticas de governança de investimentos. Entre as regras recomendadas estão estabelecimento de política de limites de alçada de investimentos, modelo para fixação dos limites prudenciais a partir das obrigações previdenciárias e explicitação dos estudos técnicos que fundamentam as alocações de investimentos por classes de ativos.

A adesão ao código é gratuita. A opção voluntária busca o fortalecimento do compromisso das empresas. Os princípios éticos e a transparência são considerados fundamentais para o processo decisório seguro dos investimentos dos gestores de fundos de pensão. Não há um benchmark definido nas práticas de governança de investimento para os fundos de pensão porque a heterogeneidade do sistema comporta empresas de grande, médio e pequeno porte. “Não podemos estabelecer regras engessadas porque poderíamos prejudicar as pequenas ou tornar inócua a adesão ao código pelas grandes”, afirma Nélia Pozzi.

Abrapp e Sindapp trabalham agora na formação de um conselho de autorregulação que ficará encarregado de aprovar as adesões. A expectativa é que tudo seja formalizado até o fim deste ano. As duas entidades já estudam ideias para trabalhar formas de incentivo à adesão.

O artigo 5º do código estabelece que o conselho de autorregulação em governança de investimentos “será composto por membros de notório saber indicados por entidades com pleno reconhecimento público”, com competência para regular a concessão do direito de uso das marcas e outros símbolos relativos à autorregulação, analisar o cumprimento das exigências, requerer explicações, informações e esclarecimentos adicionais acerca da observância das obrigações e princípios, instaurar, conhecer e julgar, em instância única, os processos por descumprimento das disposições do código, e impor as penalidades cabíveis, bem como os pedidos de revisão.

Junto com o “Código de Autorregulação” foi lançado o “Código de Condutas e Princípios Éticos para o Sistema Fechado de Previdência Complementar”. O documento tem cinco páginas. Entre os compromissos dos integrantes do sistema estão a manutenção de “conduta ilibada em todas as situações”, “decidir, em qualquer circunstância, em prol da solução que considere o bem estar social do conjunto de participantes e assistidos de cada plano de benefícios”, “promover ações para garantir o futuro dos participantes e assistidos em face de infortúnios cobertos pelos regulamentos dos planos de benefícios da entidade que administra” e “zelar pela imagem institucional do sistema fechado de previdência”.

Na lista de deveres do Código de Condutas e Princípios Éticos são listadas a colaboração “com o Estado nas ações de defesa e proteção dos interesses dos participantes e assistidos dos planos de benefícios”, a prestação de “contas das suas decisões e deliberações, adotando adequado sistema de informações”, além da manutenção de “conduta diligente e adequada sobre os negócios e as aplicações dos recursos”. (Valor)