Não devemos desprezar uma boa crise

A crise econômica trazida pelo Covid-19 é sem precedentes. A medida mais adotada pelos governos para a contensão do vírus é a de isolamento social, isso porque ainda não temos um consenso a respeito do tratamento da doença, tão pouco solução em relação a vacina de prevenção ao vírus.  A restrição de mobilidade das pessoas, bem como o fechamento de boa parte do comércio, resultantes do isolamento horizontal imposto em diversos países, trazem consigo um impacto gigantesco à dinâmica da economia global. A recessão mundial é uma realidade clara, porém a sua intensidade e duração dependem muito do quão prolongado será esse processo de confinamento.

É bem verdade que os Bancos Centrais estão agindo com empenho na tentativa de injetar liquidez na economia, bem como dar maior tranquilidade aos mais fragilizados da cadeia produtiva, através de baixa de juros, concessões e até aportes financeiros. Acontece que essas mesmas medidas vinham sendo tomadas, em menor escala, em diversas outras situações de crise, e por isso são cada vez menos eficazes. A economia global já estava frágil.

A turbulência no preço dos ativos no mundo chegou muito rápido e desconstruiu qualquer racionalidade na flutuação das cotações. As ações sofreram uma derrocada histórica, num período muito curto, sem precedentes. Comodities também tiveram revés forte, além da crise do COVID-19 também por conta da guerra do preço do petróleo. Ativos imobiliários, de renda fixa e até o ouro, que historicamente se comportava como porto seguro nas crises. Nesse cenário de aversão a risco, todos os ativos sofreram, principalmente nos países emergentes.

No Brasil, observamos a queda da bolsa, fundos imobiliários, depreciação do câmbio, e abertura das taxas dos ativos de renda fixa, principalmente no mercado secundário dos ativos de crédito, como debentures, visto que as novas emissões congelaram. A forte depreciação dos ativos ultrapassou, em diversos casos, a avaliação dos fundamentos, e por isso algumas oportunidades interessantes se colocam à mesa. No mercado de ações, algumas empresas chegaram a patamar de preços interessantes na avaliação de indicadores e, além disso, o % de dividend yield aumentou consideravelmente por conta da queda dos preços. Diversos fundos de investimento também ficaram baratos, e alguns bons gestores reabriram para captação.

No caso dos ativos de crédito, as oscilações nos preços têm acontecido sem distinção, qualquer que seja o rating e o prazo, mesmo considerando o crédito high grade, de melhor qualidade. Por exemplo, existem hoje ativos AAA com spreads muito parecidos com os de ratings A e AA. A pressão nesses papeis se dá por diversos fatores, desde a aversão geral ao risco, passando pela onda de resgate que os fundos de crédito vêm enfrentando. Por esses motivos, podemos observar hoje papeis de empresas sólidas, com excelente qualidade de crédito, boa liquidez de curto prazo, operações com geração de caixa e total capacidade de honrar seus compromissos a despeito da crise, pagando IPCA + 5 ou 6% ao ano, patamar muito atrativo para composição de carteira.

Essa crise é sim muito dura e incerta, porém chegamos num patamar de volatilidade que gerou diversas oportunidades que podem ser capturadas. É importante ressaltar, por outro lado, dois importantes fatores:

1)  fazer market timing – estratégia de tomar decisões de compra ou venda de ativos financeiros, tentando prever futuros movimentos de preços de mercado – nesse momento de alta volatilidade, é muito perigoso. Portanto, assumir um papel de trader em posições mais táticas, de curtíssimo prazo, traz um risco grande de perda de patrimônio. Por esse motivo, é sempre importante investir com fundamento e ter ciência dos riscos;

2) toda a movimentação realizada deve condizer com o orçamento de risco da carteira: que volatilidade estou disposto a enfrentar? No caso das pessoas físicas, o perfil de investidor deve ser respeitado, já os investidores profissionais e institucionais devem atentar aos mandatos de risco, liquidez e solvência.

Vivemos, portanto, uma realidade que machucou muito os investidores, e deve machucar ainda mais antes de melhorar. Uma pena ter acontecido num momento de maior conscientização da população em relação a investimentos em geral, muito em função das novas plataformas de investimentos, e também dos influenciadores digitais. É, por outro lado, um momento de aprendizado para todos. Observamos o copo meio vazio na maior parte do tempo, porém as oportunidades que vêm aparecendo nos obrigam a atentar ao copo meio cheio. Nos adaptemos, reavaliemos e ajustemos os orçamentos de risco, e sigamos em frente!

Guilherme Gonzalez

Analista de Investimentos – Fundação Ecos